Todos sabem que a infraestrutura rural no Brasil ainda é bastante precária quanto às necessidades de conexão à Internet –
A agricultura moderna praticada em nosso país, que se converteu nas últimas décadas em uma das principais potências agrícolas, exige sem mais demora que os nossos competitivos produtores rurais, desde os tecnologicamente melhor posicionados até aos ainda carentes de infraestrutura produtiva adequada, tenham acesso aos últimos avanços tecnológicos do mundo contemporâneo e, dessa forma, possam usufruir dos seus benefícios, respondendo às exigências de eficiência produtiva, acesso às informações e rapidez nas comunicações.
Para que o Brasil consolide a sua posição de liderança no setor agrícola e agroindustrial, que vem sustentando o bom desempenho da nossa economia, é indispensável integrar o campo às redes de banda larga, permitindo aos produtores de todos os extratos exercerem a pleno o chamado rural 5.0, altamente demandante de sinal firme e com alta velocidade, para produzir mais e gerir melhor seus negócios, com eficiência, sustentabilidade e qualidade. Assim, levar a conectividade ao campo e integrar as populações dos territórios rurais à era digital proporcionará maior produtividade agrícola e do trabalho e, como benefício adicional, maiores oportunidades nas áreas de educação, capacitação, segurança, saúde, cultura e lazer.
Os últimos dados do Censo Populacional confirmam a saída expressiva dos jovens do meio rural brasileiro, indicando que mais de 1 milhão deles deixaram o campo entre 2012 e 2022. Esta migração em massa rumo aos centros urbanos tem como uma das principais causas o isolamento tecnológico e digital das comunidades rurais. Este diagnóstico, corroborado por outras pesquisas, coloca em evidência a importância e urgência da construção de políticas públicas que garantam uma infraestrutura de internet de qualidade e o fornecimento de sinal também com qualidade e velocidade no meio rural. A conectividade no campo atende, antes de tudo, uma exigência contemporânea para o pleno exercício da cidadania. E não se pode esperar que o mercado, movido pela atratividade econômica, leve este serviço essencial aos rincões de todo o país, pois ao critério do mercado, não há retorno econômico aos investimentos por absoluta falta de densidade populacional que viabilize o negócio.
Estender o acesso à Web no meio rural é um desafio similar ao quem vem sendo enfrentado nas últimas décadas para fazer as redes elétricas chegarem ao campo. Entretanto, do ponto de vista tecnológico, envolve uma complexidade muito mais acentuada, pois há diferentes modalidades e possibilidades de emissão e recepção de sinal. Mas há, também, grandes vantagens: diferentemente da energia elétrica, em que a oferta do serviço se dá com uma só concessionária, a rede de modalidades e de fornecedores de internet é vasta, o que permite que este serviço seja oferecido por mais de um provedor na mesma base territorial.
De fato, ao contrário da energia elétrica, que invariavelmente depende de uma única distribuidora, que possui o monopólio da concessão para aquela região, na internet são diversas as possibilidades tecnológicas, o que faculta a competição entre diversas operadoras. Se isso já é uma realidade nos centros urbanos, onde os usuários podem escolher e contratar o serviço da operadora que melhor atende sua disponibilidade financeira e suas necessidades, o cenário é bem outro no meio rural. A racionalidade econômica recomenda a não ter ilusões: nenhuma operadora realizará o investimento necessário para levar a internet ao vasto e esparsamente povoado território do campo sem demanda que garanta a viabilidade econômica. A baixa densidade populacional nesses espaços afugenta investidores privados, ávidos pelo lucro.
Assim, a solução realista está em políticas públicas que promovam a viabilização de infraestrutura tecnológica para universalização da conectividade, assegurando à população do campo acesso à internet com a mesma qualidade e velocidade usufruída pela população urbana. Essa necessária política pública pode ser implementada por iniciativa isolada de uma unidade da Federação, mas terá um alcance maior e um custo menor se for liderada pela União e viabilizada mediante cooperação com os Estados e Municípios.
Depois de longos estudos, estou convencido de que o principal e mais lógico modelo é o da integração federativa, onde o Governo Federal autoriza a implantação da infraestrutura de redes de internet como item financiável nas linhas de investimento do crédito rural e, ao mesmo tempo, o BNDES propicia crédito com esse mesmo fim aos municípios. As duas variáveis creditícias são possíveis, viáveis e necessárias, precisando subsistir, pois, convenhamos, nem todos os municípios tomam crédito e possuem condições de arcar a sós com os seus encargos. Daí a necessidade, em muitos casos, de se compartilhar custos com os usuários. Isso já ocorreu com a energia rural, em boa parte com custos de implantação de redes assumidos por quem podia pagar, mediante financiamento e parcelamento.
Experiências bem-sucedidas de compartilhamento das responsabilidades federativas mostram que os governos estaduais, por meio dos serviços de extensão rural, podem se incumbir de realizar as chamadas públicas para o credenciamento das empresas de infraestrutura e das de provimento de sinal. E os governos municipais, por seu turno, podem se encarregar da execução e ainda definirem, em consulta junto às organizações locais da sociedade civil, associações comunitárias, assentamentos fundiários, federações, sindicatos, cooperativas, e outras, os trajetos e as unidades familiares ou empresariais a serem beneficiárias.
Os recursos financeiros necessários já existem e estão nos bilhões do FUST – Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações. Basta ao Governo Federal dar sequência rápida aos estudos já realizados pelo BNDES e Ministérios. No Paraná, pelo Instituto de Desenvolvimento Rural, temos capacidade técnica e esse modelo desenhado. Estamos prontos para financiar e operar, apenas aguardando os meios de financiamento para iniciarmos a execução. Possuímos 44 anteprojetos passíveis de adesão imediata para colocarmos a campo essa política pública, desde que haja ambas as possibilidades de financiamento apontadas, uma vez que um trajeto é diverso em termos de tipo de público e condições financeiras das partes. E a melhor solução é compatibilizar, pela política pública e competência técnica local, o melhor arranjo, combinando em muitas vezes o investimento público municipal e/ou estadual – via crédito público – e investimentos privados pelo crédito rural.
Outro fator importante é dar oportunidade às milhares de empresas de base local/regional que já atuam como provedores de sinal nos territórios e que, por falta de condições financeiras e competência técnica, não conseguem garantir qualidade em seus serviços. Na modelagem aqui proposta isso se soluciona e, para além da solução técnica para a infraestrutura de acesso à internet de qualidade, muito mais empregos serão criados com a necessidade local de bons provedores de sinal.
Para que esta iniciativa caminhe com a urgência requerida, necessitamos que o Governo Federal, rapidamente, implante o Programa Nacional de Conectividade Rural e emita o ato autorizativo para o uso de linhas de investimento rural do Plano Safra. Essas linhas irão acatar como item financiável os troncos e extensões de linhas de sinais fora das unidades produtivas e em investimentos comunitários compartilhados pelo conjunto de beneficiários, assim como cada unidade produtiva rural financiará a parte que se refere ao investimento dentro da propriedade, como extensões de rede e receptores de sinal. Bom lembrar que as linhas do crédito rural já suportam, de há muitos anos, dentro das unidades produtivas, a possibilidade de aquisição do conjunto de equipamentos de informática e os necessários à produção agrícola, pecuária, florestal e agroindustrial, para o bom uso e proveito do sinal de internet de qualidade.
A política pública de conectividade rural que delineamos em pinceladas rápidas pode e deve ser articulada e compatibilizada com outra prioridade anunciada pelo Governo Lula: levar internet a todas as escolas públicas do país. Sabidamente, entre as mais de 30 mil escolas que permanecem desconectadas, a maior parte está no campo. Portanto, é fundamental somar esforços para eliminar a exclusão digital que hoje afeta desproporcionalmente os estudantes as áreas ruais deste imenso país.
Com essas políticas públicas integradas entre agentes federativos, em poucos anos e com muito trabalho organizado, teremos um outro Brasil, com um meio rural energizado por uma nova geração de jovens e muita gente no campo, felizes e conectadas. E assim dotaremos os territórios e o Brasil de infraestrutura moderna e capaz de suportar os avanços necessários para uma agricultura produtiva, moderna e com um meio rural 5.0.
Herlon Goelzer de Almeida, engenheiro agrônomo, é coordenador de Energias Renováveis e Conectividade Rural no IDR-Paraná
Fonte: IDR-Paraná