terça-feira, novembro 19A NOTÍCIA QUE INTERESSA
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Grupo Scheffer planta soja na Colômbia e amplia “império”

Grupo Scheffer iniciou no ano passado produção em país da América Latina –

FORBES –

De Cuiabá, em Mato Grosso, até Cumaribo, cidadezinha de pouco mais de 3 mil habitantes, são 6 mil quilômetros subindo em direção a Manaus, depois Roraima, passando pela Venezuela até entrar em território colombiano, numa curva descendente e com boa parte do caminho por estrada de terra. Impensável fazer o trajeto, a menos que seja de avião. “De avião pequeno a gente leva umas oito horas”, diz o economista Guilherme Scheffer, 38 anos, um dos herdeiros da família que começou a cultivar algodão, soja e milho em Mato Grosso, nos anos 1980, e em 2015 no Maranhão, em 13,5 mil hectares de lavouras em Buriticupu, a 400 quilômetros do porto de São Luís. No total são 169 mil hectares de terras cultivadas, com produção de 562,9 mil toneladas de soja, algodão e milho na safra 2019/2020. Na atual safra, que termina em junho, a projeção vai além para uma área cultivada de 200 mil hectares ainda em processo de colheita.

Cumaribo virou rota regular para os Scheffer desde o ano passado, quando a família iniciou um projeto piloto de agricultura nessa região colombiana tomada pela pecuária e quase um deserto na geração de emprego e renda, num país com uma população de 50 milhões de pessoas. “É fazer o que a gente fez em Mato Grosso 40 anos atrás”, diz ele. “A Colômbia importa produtos, como soja e milho, que é o básico de commodities que a gente está acostumado a fazer no Brasil.”

O famoso país dos cafés especiais que ganharam o mundo no rastro do icônico símbolo de Juan Valdez e sua mula – animal reconhecido por sua capacidade de superar obstáculos no caminho – cultiva irrisórios 50 mil hectares de soja, mas é dona de grandes áreas planas com pastagens naturais e de fácil conversão para a agricultura. O desafio não é pequeno, porque a Colômbia do bom café, e de quebra com lindíssimas praias caribenhas, também luta para sair de um estado de conflitos históricos que emperram seu desenvolvimento. “Estamos começando um projeto de grande impacto econômico e social na Colômbia, com grandes desafios, mas com geração de renda e empregos”, diz Scheffer. Neste início de projeto já há 50 pessoas na operação, das quais apenas três são brasileiras.

Na primeira safra, para experimentar a área, foram plantados mil hectares de soja e mil hectares de milho. Nesta safra serão 2,5 mil hectares de soja e 4 mil de milho, em dois ciclos. Mas a meta, passado mais um ano de ajustes de tecnologias, é estender a área de cultivo arrendando terras. “Queremos uma operação que justifique estarmos em outro país. Inicialmente, a meta é 40 mil hectares, podendo chegar a 100 mil hectares na Colômbia”, afirma Guilherme.

Não fosse pela adoção da agricultura regenerativa, que está mudando radicalmente o modelo de negócio, os planos da família de origem paranaense de internacionalizar suas operações seriam apenas mais um caso de investimento na América Latina, como já ocorre com uma leva de produtores, cooperativas e agroindústrias brasileiras instaladas na Argentina, Uruguai, Paraguai e Chile. Com 1.800 funcionários, cultivo de 225 mil hectares juntando as duas safras de uma mesma área e receita de R$ 1,55 bilhão no ano passado – valor 55% acima de 2019 e previsão de R$ 1,77 bilhão em 2021 –, a Scheffer quer ser referência em agricultura regenerativa, levando o modelo para o centro estratégico do crescimento da empresa. Há ainda no negócio 27 mil hectares de terras para a pecuária, com abate de 25 mil bovinos em sistema semiconfinado, por ano, e 140 mil hectares de terras preservadas como reserva e áreas de proteção permanente.

Apostar na agricultura regenerativa no Brasil e na Colômbia, uma mudança radical de patamar tecnológico que prega menos uso de agroquímicos, uma visão geral no trato das plantas e o cuidado máximo no manejo do solo, equipara-se à aventura inicial do patriarca, Eliseu Maggi Scheffer, hoje com 64 anos e ainda na operação: colocar a família a bordo de uma caminhonete em Rondonópolis e desembarcar 700 quilômetros depois, em Sapezal, no norte de Mato Grosso, em meados dos anos 1990, sem ser dono de um único palmo de terra. “Não tinha dinheiro para comprar terras. No começo, a gente dormia numa oficina, em um barraco atrás de um posto de gasolina. Meu pai trabalhava muito para dar certo”, lembra Guilherme. O pai, que é sobrinho de André Maggi, fundador do império Amaggi, um dos maiores grupos agropecuários do Brasil, arrendou do tio 900 hectares.

Ainda sem terras, que começaram a ser compradas somente no final dos anos 1990, Eliseu chegou a cultivar 27 mil hectares arrendados. Ele foi o primeiro produtor de algodão de Sapezal, numa área de 150 hectares que necessitou de 300 pessoas para socar no pé, por falta de máquinas prensadoras, os fardos que seriam embarcados para a algodoeira mais próxima, a 200 quilômetros. Hoje, a Scheffer cultiva 60 mil hectares da fibra, é dona de cinco algodoeiras e fez do município de Sapezal o maior produtor de algodão do Brasil, com índices entre 10% e quase 15% da produção nacional das últimas safras.

Nova escola de plantio

Nos últimos seis anos, na tarefa de reverter o modelo de agricultura convencional para a regenerativa, Guilherme, que já passou por um MBA e é diretor financeiro, comercial e de novos negócios da Scheffer, tem entre as suas preocupações diárias a saúde de joaninhas, minhocas, tesourinhas, formigas lava-pés, grilos, aranhas e abelhas. Do seu tempo de executivo, 30% são gastos nas fazendas. Mas faz por gosto – caso contrário, poderia passar ao largo dessa lida, porque o irmão Gilliard Scheffer é o diretor de operações agrícolas da empresa e desde os 14 anos acompanha o pai no campo. Mas, para Guilherme, ver cogumelos embaixo dos pés de soja e de algodão é um luxo do qual “precisa” usufruir. “Antes, a gente não via nada desses inimigos naturais das pragas. Podia procurar, mas não achava”, diz ele. “É fantástica a experiência de ficar olhando esse ciclo. Por exemplo, a gente tinha um problema de caramujos, que comiam a plantação. Um dos seus inimigos naturais é a formiga lava-pés, que se alimenta de insetos. Hoje são elas que controlam a praga dos caramujos.”

Não por acaso, a Scheffer já investiu R$ 35 milhões na construção de uma biofábrica com 14 reatores para a produção de insumos biológicos destinados às fazendas no Brasil, um dos pilares da agricultura regenerativa. Nesse valor não está a contratação da equipe de biólogos e químicos e o projeto de uma segunda fábrica na Colômbia. No ano passado, a produção foi de 5 milhões de litros de produtos biológicos. A produção, que já chama a atenção de outros agricultores de Sapezal, onde ela foi instalada, será suficiente para todas as lavouras dentro de sete anos, afirma Guilherme.

Eles não estão sozinhos nessa jornada. A CropLife, entidade que reúne empresas e pesquisas na área de biotecnologias, apresentou em abril um estudo em parceria com a Consultoria Blink Projetos Estratégicos que mostra um mercado nacional de produtos biológicos de R$ 3,7 bilhões em 2030, um crescimento acima de 100% em relação às estimativas para 2021.

Os insumos biológicos integram o conceito de agricultura regenerativa, que é baseada na saúde do solo, na sua biodiversidade, no sequestro de carbono e na gestão dos recursos hídricos. O início da transformação da Scheffer, em 2016, foi com 400 hectares. Depois pulou para 1.200. Na safra encerrada, com 4 mil hectares de soja e algodão monitorados em Sapezal, a empresa ganhou o certificado Regenagri para agricultura regenerativa. Foi a primeira propriedade rural do país avaliada pela Control Union, certificadora global presente em cerca de 70 países com programas para os mercados de alimentos, ração animal, silvicultura, biomassa, bioenergia, conformidade social e tecidos têxteis.

Para a próxima safra, o projeto é dobrar a área para 8 mil hectares, com braços educativos espalhados por todas as unidades. Hoje, em cada fazenda há dois talhões de lavouras de 100 hectares cada um, que servem de laboratórios nos quais as equipes de campo vêm sendo treinadas para praticar a agricultura regenerativa. “A gente está espalhando a sementinha. Qual é a dificuldade? Mudar a cabeça das pessoas. É um processo de conhecimento, de acreditar, de testar e aprender a mexer. Essa é uma agricultura mais holística e menos de tabelinha”, diz Guilherme, referindo-se ao organograma de aplicação de agroquímicos na agricultura convencional. “A meta não é reduzir 100% do químico, que pode até ser alcançada. Nossa meta é ser sustentável.” Nesse aprendizado, há dois anos parte da remuneração variável dos gerentes e coordenadores está condicionada à redução geral do uso de químicos. Por exemplo, o uso de dois fungos – Beauveria e Metarhizium – que, trocando em miúdos, matam insetos que atacam as plantações, já impacta nas aplicações de inseticidas, pesticidas e afins. “No nosso projeto, o custo do químico está muito semelhante ao custo do biológico. Com isso, já reduzimos o uso de químicos em 35% no algodão e 45% na soja”, afirma Guilherme.

O custo maior dos biológicos tem sido colocado por muitos produtores como empecilho para seu uso. Mas o primeiro impacto da agricultura regenerativa aparece já no financiamento do custeio da lavoura, de 0,5% a 1% a menos de juros na contratação de crédito. “Foi receber o certificado Renagri e o banco já propôs financiar essa área com custo de captação mais baixo porque ela é considerada sustentável”, conta Guilherme. A Scheffer trabalha no mercado livre, fora dos créditos ofertados pelo governo via Plano Safra.

Herdeiros não andam sós

Herdada do pai e dos tios pioneiros na construção da moderna agropecuária do Centro-Oeste, a postura dos filhos de Eliseu Scheffer frente aos desafios tem uma característica comum: eles não abrem mão de ter por perto ajuda de peso. Além de Guilherme e Gilliard, no grupo dos herdeiros há a irmã Gislayne, diretora administrativa da empresa. No caso da Colômbia, mesmo não precisando de sócio, eles propuseram uma parceria com o colombiano Gabriel Jaramillo, investidor que divide o tempo entre o seu país e Nova York e que já foi presidente do grupo Santander no Brasil, entre os anos de 1999 e 2008.

Jaramillo, que começou um projeto de pecuária na Colômbia, tornou-se amigo de Guilherme justamente por causa da agricultura regenerativa. Envolvido em causas sociais, como na atual organização de uma frente de empresários para vacinar a população contra a Covid-19 mais rapidamente, o colombiano queria saber dos impactos desse modelo agrícola. Guilherme conta que em uma das conversas ouviu de Jaramillo o seguinte: “Tenho dois objetivos: acabar com a mortalidade infantil no mundo e desenvolver a agricultura na Colômbia”. Os irmãos não tiveram dúvida. “Vimos que a gente não precisava de um sócio produtor, mas seria bom um sócio que conhecesse o país e que fosse respeitado”, diz Guilherme. Dias de campo para repasse de tecnologias aos produtores já estão na agenda do próximo ano.

Para iniciar o projeto de agricultura regenerativa, no entanto, a primeira ajuda veio do agrônomo e empresário paulista Leontino Balbo Júnior, que também se tornou amigo da família e de quebra consultor por um ano. Neto do fundador do Grupo Balbo, empresa que produz etanol, açúcar e bioenergia na região de Ribeirão Preto (SP), foi ele que criou a marca Native para o açúcar orgânico, líder global de uma produção exportada para cerca de 60 países. “Nós fomos visitar o Leontino Balbo e foi aí que tudo começou”, lembra Guilherme.

O termo “agricultura regenerativa” foi cunhado nos anos 1970 pelo americano Robert Rodale (1930-1990), um apaixonado pelo tema. Mas a ajuda de fato veio de uma mulher, a também americana Elaine Ingham. Ela é uma das mais respeitadas microbiologistas daquele país, pesquisadora de biologia do solo, pós-doutora na universidade do Colorado e fundadora da Soil Foodweb Inc., entidade de assistência em agricultura regenerativa. “A gente consultou a doutora Ingham, na Califórnia”, diz Guilherme. O diagnóstico dado por ela foi o início da mudança da família Scheffer. “Nossos solos estavam quimicamente ricos, bem mais ricos que os solos do Cerrado. Só que biologicamente estavam mortos, só tinham bactérias, únicos seres vivos que aguentavam a alta carga de agroquímicos da época. Agora somos ambientalmente e economicamente mais sustentáveis.”

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