Pesquisadores sequenciaram genomas do parasita P. vivax das regiões mais atingidas pela malária no mundo. Conhecimento pode ser usado em estudos sobre vacinas e novas terapias –
Uma pesquisa da London School of Hygiene & Tropical Medicine (LSHTM), Inglaterra, em parceria com o Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (ICB-USP), publicada na Nature Communications, pode auxiliar na busca de vacinas e novos tratamentos para a malária vivax – responsável por 80% dos casos da doença no Brasil. A partir do sequenciamento genético de mais de 500 amostras de Plasmodium vivax de 25 regiões endêmicas, principalmente de países do Sul da Ásia e da África Oriental, os cientistas identificaram variações genéticas e uma série de mutações que aumentam a infectividade e a resistência do parasita aos antimaláricos.
Utilizando uma análise global genômica de P. vivax, o estudo indica que os isolados sequenciados do Sul da Ásia se comportam como uma subpopulação de parasita distinta de outras partes do mundo, apenas compartilhando algumas características com genomas de parasitas da África Oriental e do Sudeste Asiático. Além disso, também foram observados sinais de seleção positiva associados à resistência a drogas, incluindo pvkelch10, pvmrp1, pvdhfr e pvdhps.
Entender a diversidade genética do P. vivax, que está em constante mutação, facilita a identificação de potenciais marcadores vacinais – por exemplo, um receptor que a vacina precisaria bloquear para impedir que o parasita infecte as células. “A estrutura populacional dessa espécie está diretamente relacionada ao desenvolvimento de imunidade ao parasita e a maneira como ele se propaga em uma determinada região. O constante surgimento de novas mutações é responsável pelo aumento da resistência aos atuais antimaláricos, agravando ainda mais a situação de controle da doença”, afirma o professor Cláudio Marinho, um dos coordenadores do estudo e chefe do Laboratório de Imunoparasitologia Experimental do ICB-USP.
A pesquisadora Jamille Dombrowski, pós-doutoranda no laboratório, participou diretamente dos ensaios em Londres durante a sua Bolsa Estágio de Pesquisa no Exterior (BEPE), concedida pela FAPESP durante seu doutorado. Ela destaca a importância de se combater a malária vivax, assim como a falciparum, tipo mais grave da doença. “Nos últimos anos, temos visto uma queda no número de casos de infecção por P. falciparum, por conta da maior atenção ao combate desse parasita, mas um aumento dos casos de P. vivax. Em diversos países, principalmente onde o P. vivax é resistente a cloroquina, regimes de tratamento utilizando artemisinina já são comumente utilizados. Isso é muito preocupante, visto que é o fármaco mais potente contra a doença”.
Malária na gestação – O laboratório de Marinho estuda os efeitos da malária vivax em gestantes no Acre, também uma região endêmica, e colaborou para a pesquisa do LSHTM com amostras de sangue de grávidas infectadas. “É importante que se tenha amostras de diferentes regiões para comparação. Essa análise global fornece um avanço na nossa compreensão sobre a ancestralidade e a composição genômica de P. vivax ao redor do mundo. Além disso, permite monitorar o efeito exercido pelos programas de erradicação da doença sobre as populações de parasitas”, explica Dombrowski.
Compreender a diversidade genética do P. vivax em gestantes também é de extrema importância e um dos objetivos da equipe. As grávidas possuem restrição ao uso da primaquina, um dos principais medicamentos utilizados contra a forma hepática do parasita. “O tratamento padrão para as gestantes que apresentam malária vivax é a cloroquina. Observamos que muitas delas, cerca de dois meses após o tratamento, tem recidiva da doença. Nosso interesse é fazer o estudo genético desses parasitas para entender essa dinâmica: se houve uma nova infecção ou se o parasita se manteve”.
Este trabalho está em fase de conclusão e também é fruto da colaboração entre a LSHTM e o ICB-USP, com financiamento FAPESP. Dombrowski afirma estar otimista com os resultados. “O estudo da malária é bastante complexo e as gestantes precisam de uma atenção especial, pois são reservatórios do parasita. O melhor entendimento sobre a genética do P. vivax nessa população é mais uma ferramenta para que possamos combater a doença e, assim, criarmos melhores estratégias para reduzir o impacto tanto na mãe como no bebê”.