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O que se passa na Indonésia, que se tornou “o novo epicentro da pandemia”?

Helena Bento – Expresso.pt –

Oscar Siagian/Getty Images
Há vários dias que a Indonésia ocupa os lugares cimeiros nas tabelas de novas infeções e mortes devido à covid-19, à frente de países que têm sido particularmente afetados pela pandemia, como a Índia e o Brasil. A situação começou a piorar há cerca de um mês, com a entrada em circulação da variante Delta do vírus, a mais contagiosa, mas há outras razões que podem ajudar a explicar o aumento dos casos

Depois da Índia e do Brasil, onde o número de casos de covid-19 registados diariamente superou o de qualquer outro país, levando a um aumento dos internamentos e ao caos nos hospitais, as atenções viram-se agora para a Indonésia. Esta semana, o país tornou-se o “novo epicentro da pandemia”, como descreveram vários meios de comunicação internacionais, e teme-se que a situação piore nas próximas semanas.

“Prevejo que o surto continuará a aumentar em julho, pois ainda não somos capazes de evitar a propagação das infeções”, afirmou esta semana Pandu Riono, epidemiologista na Universidade da Indonésiadefendendo restrições mais rigorosas. “As restrições que estão neste momento em vigor não são as mais adequadas. É necessário aplicar o dobro das medidas, uma vez que continuamos a lidar com a variante delta, que é duas vezes mais contagiosa”, disse, citado pela Associated Press. Como ele, outros especialistas têm defendido mais restrições no país para conter o vírus — ou pelo menos o alargamento do prazo das que estão em vigor, que termina na próxima terça-feira.

Javi e Bali estão em confinamento parcial desde o dia 1 de julho, tendo sido encerrados locais de culto, escolas, centros comerciais e instalações desportivas; os restaurantes só podem servir em take-away e o número de lugares disponíveis nos transportes públicos diminuiu, para evitar o contágio durante as deslocações. O teletrabalho passou a ser obrigatório para os funcionários de setores considerados não-essenciais e para 50% dos trabalhadores dos restantes setores.

A julgar pelos números, as medidas aparentam não ser, contudo, suficientes. Na quarta-feira, foram registados mais de 54 mil novos casos de infeção, o número mais alto reportado no país até àquele dia. Mortes foram 991, de acordo com os números adiantados pelas autoridades de saúde indianas. Já no sábado, foram registados 51.952 novos casos e 1.092 mortes, segundo dados disponíveis na plataforma Worldometer. Pelo terceiro dia consecutivo, a Indonésia superou a Índia e o Brasil, países que têm sido, desde o início, particularmente afetados pela pandemia e onde foram reportadas 38.079 e 34.339 novas infeções, respetivamente.

Especialistas na área da saúde estimam que os números sejam ainda mais elevados, uma vez que o acesso a testes no país é limitado — segundo dados do Our World in Data, da Universidade de Oxford, a Indonésia é dos países que faz menos testes, com 55.89 testes por cada 1.000 habitantes. Ao “New York Times”, Dicky Budiman, epidemiologista na Universidade Griffith, em Queensland, na Austrália, apontou para números entre três a seis vezes superiores aos que têm sido diariamente divulgados.

HOSPITAIS COM FALTA DE CAMAS E OXIGÉNIO

A situação na Indonésia começou a tornar-se preocupante no mês passado, quando a variante Delta do vírus, considerada a mais contagiosa, começou a circular em ilhas tão densamente povoadas como Java e Bali. Em algumas regiões, os hospitais deixaram de conseguir dar resposta, dado o elevado número de internamentos. Tentam agora, a todo o custo, aumentar a sua capacidade, mas as camas continuam a não dar para todos, assim como o oxigénio, fazendo com que muitos doentes nem sequer se desloquem aos hospitais para procurar ajuda. Segundo dados da Lapor Covid, uma organização sem fins lucrativos que monitoriza as mortes pelo vírus, citados pelo jornal norte-americano, todos os dias morrem pelo menos 40 doentes em casa, na Indonésia.about:blank

Por enquanto, o Governo considera ter tudo sob controlo, mas sabe que o pior ainda pode estar para vir. “Se tivermos em conta que o pior cenário são 60 mil novos casos, ou um pouco mais, ainda estamos bem. Esperamos não chegar aos 100 mil, mas estamos já a preparar-nos para o caso de isso acontecer”, afirmou esta semana Luhut Pandjaitan, ministro que está responsável por lidar com a pandemia no país, citado pela imprensa internacional.

Além da entrada em circulação da variante Delta, há outras razões que podem explicar a subida dos casos na Indonésia, como o reduzido número de pessoas que se encontram vacinadas contra o vírus. Apenas 15% da população (que é de 270 milhões no total) recebeu uma dose da vacina e apenas 6% estão completamente protegidos contra o vírus, de acordo com os dados compilados pelo Our World in Data.

A maioria recebeu a vacina produzida pela empresa chinesa Sinovac Biotech, que se tem revelado menos eficaz do que as restantes. O “New York Times” lembra, aliás, que pelo menos 20 médicos indonésios a quem foi administrada esta vacina morreram vítimas do vírus. Num esforço de cooperação, os EUA doaram esta semana ao país 4.5 milhões de doses da vacina da Moderna, que vão ser administradas de forma prioritária aos profissionais de saúde.

São várias as falhas apontadas ao governo indonésio, de facto. Dicky Budiman, epidemiologista já aqui citado, assina um artigo no site “The Conversation” em que sublinha que as autoridades resistiram “durante 16 meses” à implementação de um sistema de rastreio de contactos, onde se pedia às pessoas que pudessem ter estado em contacto com o vírus para se isolarem e, assim, impedir a transmissão do mesmo.

Budiman também acusa o governo de ter dado mais prioridade à economia do que à saúde pública. “Os riscos da pandemia foram subestimados desde o início, tanto em termos de estratégia como de comunicação. Houve pouca transparência e falta de comunicação sobre a doença.” Tudo isto, concluiu o especialista, colocou a Indonésia numa “posição de extrema vulnerabilidade”.

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