quinta-feira, abril 18A NOTÍCIA QUE INTERESSA
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Para que serve a liberdade de expressão – e quais os seus limites

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*Hélio Beltrão –

O único controle da mídia necessário é o controle remoto; não gostou, troque o programa

Assisti ao famigerado especial de Natal do site Porta dos Fundos: algumas boas piadas avulsas ao largo de um enredo centrado em achincalhar Jesus Cristo, a Virgem Maria e Deus, que figura como um sujeito asqueroso e despudorado. 

A despeito do material ofensivo a muitos cristãos, não pode ser censurado.

Afinal, para que serve a liberdade de expressão?

Quando pode e quando não pode

Quando um indivíduo se expressa livremente, ele materializa seu pensamento, sentimento, emoções, dúvidas, crenças etc. — trata-se de seu direito intrínseco, garantido pelo simples fato de ele existir e ser o proprietário de suas cordas vocais, membros e cérebro. Nenhuma proibição pode revogar isso.

A liberdade de expressão é a matéria-prima da arte e da filosofia, promove a paz e a cooperação, e nos legou tecnologias vitais como a agricultura, a penicilina e o avião. A capacidade de se expressar de maneira complexa e argumentada constitui um traço distintivamente humano — o qual, ademais, é em grande medida responsável pelo nosso progresso civilizatório. Ao longo da história, todas as inovações foram produto da livre expressão daqueles que pensavam diferente.

Mais: a capacidade de se expressar livremente é o mecanismo por meio do qual o ser humano mantém a sociedade funcionando.

Portanto, a liberdade de expressão é o motor do desenvolvimento humano. Mas isso não significa que se possa dizer o que quiser, onde quiser. 

Há limites, e citarei dois. 

Primeiramente, um indivíduo não tem o direito de exigir que um jornal publique um artigo seu, nem o direito de proferir insultos em casa de terceiros. Tampouco pode portar sem autorização um cartaz com propaganda de seu produto ou de sua causa dentro de um shopping.

Sim, em última instância, todos os direitos humanos, inclusive a liberdade de expressão, são baseados em direitos de propriedade. Em seu livro Man, Economy, and State, Murray Rothbard abordou exatamente a questão da liberdade de expressão:

Peguemos, por exemplo, o “direito humano” à liberdade de expressão. Supõe-se que a liberdade de expressão significa que todos têm o direito de dizer o que bem entenderem. Mas a questão negligenciada é: onde?

Onde um indivíduo possui esse direito? Certamente ele não possui esse direito em uma propriedade que esteja invadindo.   

Ele possui esse direito apenas em sua própria propriedade ou na propriedade de alguém que concordou voluntariamente — seja por meio de um contrato de aluguel ou mesmo por um ato de generosidade — em conceder a ele o espaço determinado.   

Portanto, na realidade, não existe isso de “direito à liberdade de expressão”; existe apenas o direito de propriedade de um indivíduo: o direito de ele fazer o que quiser com o que é seu ou de fazer acordos voluntários com outros indivíduos que, por possuírem uma propriedade, concedem a este indivíduo o direito de utilizá-la para fazer o seu discurso ou escrever o seu artigo.

Por tudo isso, o conceito de “direitos” somente faz sentido se eles são entendidos a partir do conceito de direitos de propriedade. Pois não apenas não existem direitos humanos que não sejam também direitos de propriedade, como todos esses direitos perdem sua incondicionalidade e clareza, e se tornam confusos e vulneráveis, quando os direitos de propriedade não são usados como padrão.

A liberdade de expressão, portanto, deriva e é indissociável do direito individual primordial: o fato de a pessoa ter a propriedade de seu corpo e de seus meios de produção adquiridos de forma honesta e voluntária, o que lhe dá o direito de fazer uso destes seus meios para expressar suas ideias.

Sendo assim, todo o debate sobre liberdade de expressão nada mais é do que uma situação na qual pessoas livres exercem livremente seus direitos de propriedade. 

Assim como na sua propriedade só entra quem você quiser (e tal pessoa só pode falar aquilo que você aprovar; caso ela esteja insatisfeita com o arranjo, pode simplesmente se retirar da sua propriedade), o mesmo raciocínio deve ser aplicado também, por exemplo, à liberdade de imprensa. 

Ninguém tem o direito de dizer o que quiser onde quiser. Por exemplo, uma pessoa jamais teve e — torçamos! — jamais terá o “direito” de escrever o que quiser em um jornal. Pessoas só podem escrever coisas em jornais se os proprietários destes jornais assim permitiram.  Qualquer outro arranjo configura agressão à propriedade privada. 

Consequentemente, tudo o que é necessário para que haja liberdade de expressão é permitir que proprietários de jornais — ou de portais de internet, ou de livrarias, ou até mesmo de saboneteiras — exercitem seus direitos de propriedade.

De novo: sem propriedade privada não existe liberdade de expressão. A ex-presidente Cristina Kirchner tinha isso em mente ao tomar o controle da única empresa produtora de papel-jornal argentina, em 2011, subjugando em uma só tacada a mídia impressa independente. A mera ameaça da coerção estatal de interromper o fornecimento de um insumo fundamental encabresta a imprensa.

Ou seja, tão logo o estado se intromete, a situação muda inteiramente. Se os governos começarem a determinar o que jornais podem e não podem publicar, ou o que serviços de streaming podem ou não veicular, estará havendo uma restrição dos direitos de propriedade destes veículos. E isso é um ataque direto à propriedade privada.

Finalmente, o segundo limite à expressão é a ameaça iminente de agressão física, um ódio prestes a descambar para as vias de fato de forma manifesta e presente. Exemplo prático: se João jura Pedro de morte ou promete agredi-lo fisicamente, João está, de livre e espontânea vontade, deixando explícito que irá ou retirar a vida de Pedro ou atentar contra a propriedade de Pedro (seu corpo). João, o agressor, está de livre e espontânea vontade confessando sua intenção de matar ou agredir Pedro.

Sociedades decentes criminalizam tal ameaça. No entanto, vale dizer que, em legítima defesa, Pedro está liberado para se antecipar e fazer o mesmo com João.

Mas a situação já extrapolou para outras áreas

No entanto, a legislação e prática recentes vão além e refletem um intenso desejo de calar vozes dissidentes e críticas, e de banir piadas de mau gosto, insultos e as chamadas “fobias”. Sob a alegação de repúdio à intolerância, tem surgido uma nova espécie de intolerância. 

Em 2019, a deputada Maria do Rosário (PT) invocou a força do estado para calar o brilhante comediante Danilo Gentili, que rasgou a notificação oficial de censura, enfiou em sua roupa de baixo e reenviou à remetente. Gentili acabou condenado a seis meses de prisão por insultar um político à distância!

A opinião ofensiva não deve ser banida porque não podemos confiar em que um burocrata ou um poderoso do governo decida o que deve ser permitido. Em geral, o defensor da censura julga que serão calados apenas os odiosos, mas, uma vez que o governo tenha a prerrogativa de banir opiniões, a sociedade inteira está em risco.

É preferível que racistas e intolerantes se expressem livremente e se exponham, virando alvo de críticas por gente com alta reputação. Se querem ser odiados e ostracizados, é sua opção. A sociedade faz melhor em lidar com o conteúdo da mensagem e ignorar o mensageiro. 

Para concluir

Rui Barbosa dizia que não merece a liberdade o povo que não saiba sofrer os males derivados da liberdade e que conte com outros meios que não a própria liberdade para vencê-los.

O Netflix deve ter o direito de manter ou barrar conteúdo de sua grade a seu critério. O único controle da mídia necessário é o controle remoto. Não gostou, troque o programa, desligue, critique, boicote. Faça o que quiser dentro dos limites. Mas afaste de mim esse cálice!

*Hélio Beltrão é presidente do Instituto Mises Brasil.

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